É numa Paris cinzenta e escura mas, como sempre, romântica e terna, que Les Chansons d’Amour acontece.


Esta edificação do espaço conclui na sua totalidade a forma como as histórias da narrativa (que aparecem, tomam lugar e depois dão esse mesmo lugar às outras) se desenrolam, deixando bem clara a ligação entre a personalidade dos personagens criados por Honoré e o ambiente por onde estas se movem e cruzam.
Por outras palavras, e revelando desde já que o filme se divide em três partes narrativas - Le Départ, L'absense e Le Retour -, o espaço físico filmado vai marcando os pontos de contacto entre as várias relações amorosas que se vão desenvolvendo: o lugar da morte de Julie (personagem de uma sempre deliciosa Ludivine Sagnier, desde Swimming Pool) que acarreta, como manda dizer o livro das regras da normalidade, sentimentos obscuros e de profunda mágoa, surge mais tarde no momento em que Ismäel (Louis Garrel – actor fetiche de Honoré) se prepara para se deixar levar, já viúvo, pelos encantos do pequeno “bretão” Erwann (Grégoire Leprince-Ringuet).
Esta relação melancolia/nostalgia – amor/felicidade eleva o filme a um estatuto venusiano, constituindo, dessa forma, um dos bonitos hinos ao sentimento de Afrodite no cinema contemporâneo francês.
Lanço-me, agora, à relação do título com a obra.
Honoré, considerado pela crítica como o discípulo do cinema da nouvelle vague francesa, arma-se aqui em “cantautor” escrevendo com minúcia e uma aptidão surpreendentemente feliz para o efeito as canções que dão nome ao filme e, posteriormente, cantando-as. Canta-as não no sentido literal da palavra mas sim através da percepção clara dos momentos em que estas deviam ser integradas (e foram, aliás), porque para um musical funcionar no cinema tão bem como, por exemplo, Cabaret ou Funny Girl funcionaram, é necessário um sentido de oportunidade que perceba quais as situações filmadas que podem ser sujeitas à introdução de música cantada – e, neste caso, muito bem – pelos actores; neste aspecto Honoré, como argumentista e realizador do filme, mostrou-se exímio. De facto, as canções cantadas em jeito (e porque as letras também são propícias a isso) de conversa só adquirem às cenas entre os amantes um sentido ainda mais doce
e puro no que consta à veracidade dos sentimentos nutridos entre si.

Debruçando-me nos aspectos “políticos” do filme é de notar a maneira como as pessoas de Les Chansons d’Amour interpretam o amor, a sexualidade, a noção de família e a morte: o amor como expoente máximo do que deve ser a concepção da vida, a sexualidade como meio para cultivar esse amor, a família como centro de abrigo profundo onde todos os momentos são de ligeiro conforto e simplicidade, e a morte como a quebra física entre as pessoas mas ao mesmo tempo elemento que enaltece a presença das mesmas.
Para além disto são retratadas, no filme, tipos de relações amorosas que ainda não adquiriram, de todo, estatuto no que é a normalidade das sociedades contemporâneas, e falo da poligamia da relação entre Ismaël, Alice (Clotilde Hesme) e Julie, e da homossexualidade/bissexualidade da relação ora entre Ismaël e Erwann, ora entre Julie e Alice.




De resto é de dizer que vale muito a pena assistir a Les Chansons d’Amour sempre que haja necessidade de se apaixonar quer pelo cinema, quer por uma cidade, quer por um cineasta, quer pelos actores e actrizes que constituem este delicioso filme.
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Comentários

2 comentário(s) sobre 'Les Chansons d'Amour'

  1. Flávio Gonçalves
    http://criticainformaactualiza.blogspot.com/2010/07/les-chansons-damour.html?showComment=1280528858176#c8075002122061836247'> 30 de julho de 2010 às 23:27

    "Delicioso" é mesmo a palavra certa para este grande filme, com as resminicências nostálgicas da nouvelle vague. Podia ter resultado muito mal, Honoré foi sem dúvida muito arriscado mas ainda bem. É uma experiência visceral, deslumbrante, imensamente libertadora. Adoro-o mesmo.

    Gostei também do artigo, parabéns ;)

     

  2. Dinis
    http://criticainformaactualiza.blogspot.com/2010/07/les-chansons-damour.html?showComment=1280593074538#c932391010780739002'> 31 de julho de 2010 às 17:17

    É absolutamente libertador e refrescante, sim. Quanto ao facto do Honoré ter corrido riscos com o filme não acredito que ele apostasse em algo deste género sem ter certezas do resultado e mesmo, ainda bem!

     

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