Há livros que nos vêm parar as mãos por acaso, quando andamos à procura de outra coisa, que nos prendem a atenção porque nos agradou o formato ou reconhecemos um nome, que compramos quase distraidamente, só para dar uma vista de olhos mais demorada, e depois de os lermos, ficamos tão satisfeitos, no sentido explícito de saciedade, que nos sentimos afortunados por termos sido achados.


Antes de mais, gostei do apelo democrático da colecção, Everyman’s Poetry, que invoca a imagem romântica das massas educadas que encontram na cultura o alívio do esforço físico do trabalho mecânico. E atraiu-me o nome de Omar Khayyam, que conhecia apenas da Samarcanda de Amin Maalouf e de quem sabia ser um poeta persa e pouco mais, ele que foi um poeta e muito mais. Lembrava-me da melancolia que lhe atribuía Maalouf, do poeta que cantava a efemeridade do prazer e do sofrimento, e por curiosidade quis ver se as palavras de Khayyam faziam justiça às de Maalouf.
And as the Cock crew, those who stood before
The Tavern shouted – ‘Open then the Door!
‘You know how little while we have to stay,
‘And, once departed, may return no more.’
Quanto a Edward FitzGerald, nem sequer tinha ouvido falar dele antes de ler o livro, e foi ele quem mais me fascinou depois de o ler. Sem qualquer demérito para Khayyam, pois é genuinamente dele a voz que nos incita a cheirar a rosa enquanto o seu perfume persiste, como Horácio e Virgílio já o tinham feito antes dele e muitos outros poetas mortos o fariam depois. Mas a poesia que se lê na versão inglesa, essa é de Fitzgerald.
Think, in this battered Caravanserai
Whose Doorways are alternate Night and Day,
How Sultan after Sultan with his Pomp
Abode his Hour or two, and went his way.
O poeta e tradutor americano James S. Holmes defendia que a tradução de um poema não é o poema original numa nova língua, mas sim uma explicação do poema original que por acaso é também ela um poema. Original e tradução, ambos são poemas, mas não são o mesmo poema. A tradução de FitzGerald da poesia de Khayyam é um exemplo perfeito desta tese.
You know, my Friends, with what a brave Carouse
I made a Second Marriage in my house;
Divorced old barren Reason from my Bed,
And took the Daughter of the Vine to Spouse.
Nem todos apreciam esta abordagem à tradução de poesia. Mas não tem que haver uma única abordagem à tradução de um texto. Outras traduções de Khayyam permitem conhecer melhor o poeta persa. Traduções mais preocupadas com Khayyam, o filósofo, optam mesmo pela prosa, para poderem concentrar-se no conteúdo do texto original sem se preocuparem com a estética do texto final. Mas apesar de todas as suas distorções, a tradução de FitzGerald é a língua inglesa no seu mais poético, e no seu tempo contribuiu para fazer de Khayyam o poeta oriental mais conhecido no Ocidente.

O livro não é fácil de encontrar em Portugal (desconfio que o exemplar que encontrei na Fnac veio cá parar por acidente), mas pode ser comprado na Amazon, e quem quiser apenas ler os poemas pode encontrá-los nesta página dedicada a Khayyam.
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